A LUZ ANTES DA ENERGIA ELÉTRICA – HISTÓRIA DA ILUMINAÇÃO – CAP. 1
A História da Iluminação é fascinante. Quando o homem aprendeu definitivamente a controlar o fogo – a mais importante de todas as descobertas – e conseguiu vencer as trevas e seus temores pelo domínio da luz artificial, se iniciava de fato a história da iluminação.
Não há registros precisos das primeiras iniciativas, mas estimativas conservadoras indicam que ocorreram há cerca de 500 mil anos.
Desde então e por longo período, a humanidade viveu sob completa dependência da combustão, aperfeiçoando o processo com o uso de diferentes materiais como a palha, os gravetos e a lenha, que evoluíram para as gorduras animais, as ceras, os óleos vegetais e até mesmo o betume. A revolução industrial viabilizou dois grandes saltos tecnológicos na iluminação: o “gás de hulha” e o querosene. No entanto, a combustão permanecia como o único recurso para produzir a luz.
Não se pode negar a importância da luz artificial na sociedade moderna. Sem ela, a vida social,comercial e cultural, praticamente pararia com a chegada da noite.
Além disso, a iluminação industrial – que permite a continuidade do trabalho – é, como tantas outras realizações, um subproduto da Revolução Industrial.
Embora a natureza oferecesse outros meios para geração de energia luminosa (dentre eles a incandescência e a descarga elétrica), o domínio dessas novas técnicas só foi possível com o advento da eletricidade no século XIX.
Mas, antes disso, para que a iluminação chegasse às ruas e às casas, a humanidade passou por diversas etapas, fruto de pesquisas com diferentes produtos.
Foram muitas tentativas para melhorar a geração da luz e separá-la da consequente produção de calor. A vontade de produzir uma chama constante e mantê-la acesa por longos períodos marcou o desenvolvimento ao longo dos anos.
Assim, na Idade da Pedra surgiram as primeiras lâmpadas em forma de cuia, que queimavam óleos vegetais ou animais, providas de um pavio. Mais tarde, provavelmente nos tempos romanos, foi inventada a vela. A lâmpada e a vela, assim como a tocha, deram mobilidade à luz
No entanto, o grande avanço no desenvolvimento de fontes de luz só aconteceu há mais de dois séculos, com o aumento da potência luminosa pelo desenvolvimento dos queimadores tubulares, dando início à tecnologia da iluminação.
Já, a terceira etapa começou quando a ideia da chama como fonte de luz foi substituída por um corpo incandescente sólido, dando origem às duas maiores invenções desse período: a lâmpada elétrica incandescente e a lâmpada a gás.
Após várias pesquisas, finalmente tornou-se possível gerar a luz sem desperdício de energia pelo subproduto tradicional – o calor – com a produção de lâmpadas de descarga elétrica em várias formas e em escala comercial. O aperfeiçoamento e a proliferação das lâmpadas tornaram evidente a importância social da luz e da iluminação na sociedade moderna.
Vale destacar o papel quase místico que a luz artificial tinha no passado. Em muitas culturas ela era tida como um símbolo, associada com a verdade, a inspiração, a esperança, o progresso e a riqueza (Aladim). Na verdade, podemos dizer que a sociedade atual seria irreconhecível sem a luz artificial.
A popularização do azeite de oliva;
Com o desenvolvimento da cerâmica, que surgiu em torno de 8 mil A.C., apareceram pequenas peças moldadas, mais elaboradas. Uma delas, em forma de “bico” com um pavio, assentava o local da chama e o do óleo. Eram as primeiras luminárias. Daí por diante, os artefatos para queima das matérias graxas de origem animal, provenientes da banha das caças, chegariam até os primeiros tempos da civilização.
Nesse momento, percebeu-se que, por meio do cozimento, substâncias combustíveis também poderiam ser extraídas de vegetais, aproveitando as sementes e os frutos oleaginosos.
Nos tempos bíblicos, ao lado de tochas e de archotes (cordas de esparto – um tipo de erva – untadas de breu, que ardem com luz avermelhada e fuliginosa), há referências a luminárias alimentadas por azeite de oliva ou mesmo óleo de amêndoas ou nozes, frutos abundantes nas regiões em torno do Oriente Médio.
Esses combustíveis eram mais puros do que os óleos animais, mais espessos, fumacentos e malcheirosos. Por isso mesmo, com o tempo os vegetais ganharam a preferência na iluminação de interiores. A popularização do azeite doce ou de oliva expandiu-se aos poucos pela Europa, levado pelos romanos e depois pelos árabes.
Foi presença garantida na antiguidade e ao longo de toda a Idade Média, sendo fonte quase exclusiva de iluminação para templos e igrejas. Com o tempo, o fruto da oliveira encontrou outros substitutos, além das amêndoas e das nozes. Dentre eles, o óleo extraído da semente da “coiza” (planta cultivada como alimento e forragem) usados frequentemente.
No período medieval, a iluminação pela queima de óleos animais e vegetais conviveu ao lado de velas, tochas e archotes. Cada uma delas era utilizada para finalidades específicas e de acordo com a maior ou a menor quantidade de luz pretendida. Mas o desenvolvimento europeu, a partir do século XIV, reverteu o equilíbrio no uso de combustíveis. Como houve necessidade de maiores quantidades de óleo, a solução farta e de baixo custo foi encontrada nas baleias.
O Brasil utilizou em grande quantidade o óleo de baleia, mas também importou, durante todo o período colonial-imperial, o óleo de oliva para a iluminação de igrejas, de palácios e de residências mais nobres. A cultura europeia ditou as condições de uso, mesmo porque de lá procediam as luminárias mais elaboradas – candeias, candeeiros, lamparinas, lampiões e outros tipos de aparelhos de iluminação – construídas em barro, cobre, latão, zinco ou bronze. Todas eram providas de um ou mais bicos de luz, por onde passavam os pavios de algodão retorcido.
Outra alternativa eram os pequenos potes, de concepção mais simples, onde se colocava o azeite e um pavio flutuante, para serem usados como lâmpadas votivas e, em ocasiões festivas, ficavam acesos nas janelas. O azeite de oliva encontrou novos substitutos nos trópicos, como o amendoim, o coco, a semente de andiroba (aproveitada no Nordeste) e vários outros. No entanto, o maior destaque foi a semente ou baga da mamoneira, uma planta indígena abundante no País.
Apesar das escassas referências históricas sobre os novos óleos, produzidos limitadamente e consumidos apenas regionalmente ou em aplicações ocasionais, há farta referência ao uso da mamona, que substituiu o óleo de baleia, em diversas situações como: escassez, complemento da demanda ou, ainda, para atender povoados mais distantes do litoral. Relatos históricos confirmam seu uso a serviço da população da Bahia e na iluminação pública da cidade de São Paulo, em meados do século XIX.
O avanço com a gordura animal;
Após utilizar o fogo para gerar luz e com ele alguns materiais como a palha, os gravetos e a lenha, o óleo de baleia foi o combustível que permitiu de fato o desenvolvimento da iluminação pública, uma inovação nos centros urbanos europeus e grande propulsor do comércio emergente. A exploração do óleo de baleia começou na Europa, no início do século XIV. As baleias, com suas avantajadas mantas de gordura, foram apontadas como a solução mais forte.
A região de Biscaia, no Golfo da Gasconha (entre a França e a Espanha), fértil nesses cetáceos, tornou-se o grande centro de núcleos baleeiros, que se expandiram para as regiões litorâneas mais próximas (França, Holanda, Inglaterra) até atingir o Algarve (Portugal). A exploração baleeira passou a ser importante atividade econômica, a ponto de se tornar, em 1614, monopólio da Coroa Portuguesa.
Nos primeiros tempos da colonização brasileira, o óleo vinha de Portugal, mas a fartura de cetáceos ao longo da costa incentivou em pouco tempo o assentamento de núcleos baleeiros (armações).
Nesses locais, os animais arpoados eram retalhados para o aproveitamento da carne, das barbatanas, do espermacete e dos ossos. Foram criadas fábricas ou engenhos para processar o derretimento da gordura e o recolhimento da borra (para uso em construções). O óleo era envasado em barris e em pipas de madeira.
Embora a exploração baleeira visasse diversas finalidades comerciais, foi realmente a necessidade de combustível para iluminação que incentivou a caça indiscriminada ao cetáceo. A proliferação e o crescimento das cidades e a expansão das atividades econômicas passaram a exigir grande quantidade de óleo para iluminação, chegando a representar cerca de 90% de toda a gordura produzida. O óleo de baleia supriu por mais de quatro séculos as necessidades decorrentes da evolução europeia e de suas colônias.
A introdução no Brasil, na segunda metade do século XIX, de novas tecnologias (o “gás de hulha” e o querosene), bem mais avançadas no processo e na eficiência da produção de luz, determinou o fim do “azeite” de baleia e de outros óleos animais. Os óleos vegetais (especialmente o azeite de oliva) sobreviveram até o início do século XX, persistindo no interior de igrejas e nas pequenas lâmpadas votivas, mantidas nos lares.
Querosene, a revolução mundial;
O petróleo já era explorado na antiguidade, entre os chineses, os persas e os povos do Oriente Médio, para iluminação e outros fins. Posteriormente, passou a ser empregado por gregos e romanos. E, na Idade Média, os árabes introduziram o petróleo na Europa por intermédio da Espanha. Óleo mineral constituído de ampla mistura de hidrocarbonetos, o petróleo procedia de afloramentos naturais ou da extração em camadas pouco profundas, passando por processo de destilação, para purificá-lo antes da sua comercialização.
Os primeiros passos para a extração e industrialização moderna de óleos minerais foram dados na Escócia, em meados do século XIX, quando James Young começou a obtê-lo, tendo como matérias-primas o xisto e o carvão. O processo exigia várias operações industriais, tornando-se dispendioso.
Em 1859, Edwin L. Drake perfurou, com sucesso, o primeiro poço profundo, em Titusville (Pennsylvania, EUA), povoando rapidamente a região com poços e destilarias. Em poucos anos, o petróleo tornou-se um “boom” na economia americana e os empreendimentos passaram por grande expansão, formando, na década de 70, um grande complexo comercial.
Novas tecnologias para o processamento do petróleo, pela destilação fracionada de seus componentes (gasolina, querosene, óleos pesados etc.) e em tratamentos de purificação, fizeram do querosene um combustível limpo, barato e de manuseio relativamente seguro.
Com isso, o querosene passou a ser o componente de maior interesse comercial, pelo seu uso em iluminação e onde podia competir com baixo custo, fácil transporte e boa potência, com os demais combustíveis disponíveis na época.
Os Estados Unidos fizeram um surpreendente trabalho de comercialização para conquistar os mercados americano e mundial. Em pouco tempo “inundaram” o mundo com o querosene e mostraram o poder do marketing. O querosene tirou o óleo de baleia da iluminação pública e freou a expansão do “gás de hulha” canalizado, por dispensar os altos investimentos iniciais de instalação. Pelas vantagens e pela simplicidade de uso, o querosene passou a suprir rapidamente a iluminação de interiores. Lampiões ou simples lamparinas, até mesmo de confecção caseira, invadiram os lares, por mais humildes que fossem.
No Brasil, estudos sobre a expansão dos centros urbanos ou de núcleos emergentes, na segunda metade do século XIX, mostram que o querosene aparece como fator de progresso, seja na iluminação pública, na iluminação interna ou até mesmo em lares das mais remotas fazendas.
O gás canalizado, inegavelmente com melhores condições técnicas, se restringia a algumas capitais com mais recursos financeiros. E mesmo assim, o querosene passou a ocupar os espaços urbanos periféricos, suprindo a ausência do “gás de hulha”.
O sucesso do querosene estimulou o aperfeiçoamento dos lampiões, que passaram a ser dotados de manga de vidro (chaminé) e de pavio achatado, e ganharam reservatório, bomba de pressão e orifícios de ventilação. Na segunda metade do século XIX, a iluminação pública, confiada às Intendências (Câmaras). Municipais, expandiu-se rapidamente por todo o Brasil na base do querosene importado. E os lampiões eram comumente instalados em postes de baixa altura.
Coordenação Editorial e Redação: Neide Lamanna
Capa: Raphael Lobosco
Projeto Gráfico: André Siqueira
Ilustração: Raphael Lobosco
Diagramação: Trust Iluminação
Revisão: Thatiana Racy